DECISÃO ADMINISTRATIVA

Ref.: RECURSO ADMINISTRATIVO - Processo Administrativo nº 024/2021

Assunto: Apuração de possíveis descumprimentos de cláusulas contratuais - Contrato de Concessão nº 102/2020

Recorrentes: SANORTE SANEAMENTO AMBIENTAL LTDA. e PORTAL DA AMAZÔNIA CONCESSIONÁRIA DE RESIDUOS SPE S.A.

Vistos.

1. RELATÓRIO:

Trata-se de recurso administrativo interposto pelas empresas acima citadas, contra a decisão Proferida pela Comissão da Prefeitura Municipal de Guarantã do Norte – MT, nomeada pela Portaria nº 1002/2024.

Após a instauração de procedimento administrativo visando apurar possíveis descumprimentos de cláusulas do Contrato de Concessão nº 102/2020, bem como de itens e exigências previstas no Edital – Concorrência nº 001/2020, as empresas interessadas apresentaram defesa nos autos. O processo foi devidamente instruído e, ao final, sobreveio decisão da Comissão no seguinte sentido: a) declaração de inidoneidade das empresas Sanorte Saneamento Ambiental LTDA e Portal da Amazônia Concessionária de Resíduos SPE S.A.; b) aplicação de multa de 2% (dois por cento) sobre o valor do contrato, no montante de R$ 365.168,52 (trezentos e sessenta e cinco mil cento e sessenta e oito reais e cinquenta e dois centavos).

Inconformadas, as empresas recorrentes interpuseram Recurso Administrativo, para ver a decisão reformada.

De forma bem resumida, são os fatos. Vamos agora aos fundamentos desta decisão administrativa.

2. FUNDAMENTOS

Antes de tudo, o presente recurso merece ser recebido, processado e julgado, visto que atendeu os requisitos da formalidade legal e da tempestividade.

Agora, direto ao ponto, em primeiro lugar as empresas alegam ilegitimidade passiva da empresa Sanorte Saneamento Ambiental LTDA.

Entendo pelo indeferimento da preliminar arguida, visto que a referida empresa participou do processo, foi vencedora, assumiu direitos e obrigações para com a Administração Pública, e além do mais é quem detém o controle acionário da SPE – Concessionária. Ou seja, responsável indireta perante a Prefeitura Municipal de Guarantã do Norte – MT.

Preliminar indeferida.

No mérito, as recorrentes sustentam que não houve descumprimento do item

2.3 do Edital de Concorrência Pública nº 001/2020, em razão da constatação de erro insanável na composição do custo estimado. Melhor explicando, segundo as recorrente, os valores definidos no Edital foram baseados nas planilhas anexas ao Caderno III (modelagem econômico-financeira) do Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI, realizado por esta Prefeitura no ano de 2019, e, naquela oportunidade, os estudos levaram em conta um modelo de concessão para exploração dos serviços relacionados aos resíduos sólidos do Município de Guarantã do Norte e município terceiros (vizinhos), contudo, quando a Prefeitura lançou o processo licitatório – Concorrência nº 001/2020, considerou única e exclusivamente a quantidade e a demanda de Guarantã do Norte – MT.

Reanalisando os autos, neste momento, identifico que, de fato, os valores apontados pela Administração Pública no processo licitatório – Concorrência nº 001/2020, destoaram dos estudos previstos no Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI, já que naquela oportunidade a proposta considerava a demanda de um consórcio de Municípios, quais sejam, além de Guarantã do Norte – MT, englobava também Peixoto de Azevedo, Itaúba, Santa Helena, Novo Mundo, Terra Nova do Norte, Nova Guarita e Marcelândia.

É obvio que uma demanda maior, uma quantidade maior de toneladas de resíduos sólidos por dia, ou por mês, garante uma melhor condição de prestação de serviços, o que acaba podendo reduzir os valores praticados pela Concessionária. Quando a demanda é menor, por razões óbvias, acaba por aumentar o preço da prestação do serviço.

E não é só. A partir do momento em que a Administração Pública define, através de uma PMI, um valor de referência, e neste valor é considerado uma certa demanda, uma certa quantidade de toneladas dia, ou mês, com um grupo de municípios, não pode, posteriormente, forçar ao particular que garanta as mesmas condições, de serviços e

de valores, para atender uma demanda, uma quantidade de toneladas consideravelmente inferior.

Sem dúvidas isso traz prejuízos diretos ao particular, em razão de uma alta estimativa inicial, e depois tendo sido frustrada no processo licitatório subsequente.

Tanto é que, no processo licitatório posterior desta Administração, após consolidada a nova Concessão, através da Concorrência nº 002/2021, o particular vencedor solicitou reajustes de preços, e mais, buscou imediatamente convênios, parcerias, com outros municípios, para ter um aumento de demanda e com isso manter viável o funcionamento e a prestação dos serviços de resíduos sólidos.

Isso traz evidências que, de fato, os valores, o formato em que foi licitado inicialmente, que gerou essa primeira concessão, havia defasagens que a empresa não poderia suportar.

Outro fator que merece ser destacado neste julgamento é o formato em que se deu a concessão.

Vejamos que foi aberto o processo licitatório, participou a empresa vencedora, e logo na sequência foi firmado um contrato administrativo direto com a empresa Sanorte Saneamento Ambiental LTDA. Somente depois, após a criação, mediante termo aditivo, foi alterado o polo contratual para a inclusão da SPE - Portal da Amazônia Concessionária de Resíduos SPE S.A.

Numa análise calma e sensata da legislação de regência, o art. 9º da Lei Federal nº 11.079/2004, diz que deverá ser constituída a SPE antes da celebração do contrato. E neste mesmo sentido, era previsto de forma expressa no instrumento convocatório – Concorrência nº 001/2020.

Vejamos:

Art. 9º Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria.

Então, antes da celebração do contrato de PPP, os parceiros privados deverão constituir sociedade de propósito específico (SPE), incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria, com personalidade jurídica própria e distinta da dos sócios empreendedores.

O caput do artigo 9° da Lei nº 11.079/04, acima destacado, estabelece que, antes da celebração do contrato, deverá ser constituída uma SPE, cuja função será implantar e gerir o objeto da parceria. Ou seja, a SPE será formada entre a entrega do objeto do certame ao vencedor e a assinatura do contrato, sendo que ela figurará como parte no negócio.

Nos termos da lei, o parceiro privado em si, vencedor da licitação, não poderá aparecer como parte contratual, mas, sim, a SPE.

Não temos outra conclusão senão a de que a tramitação, o procedimento adotado pela Administração Pública tornou-se eivado de ilegalidade, e neste sentido o Poder Público tem condições de anulação de seus atos quando estamos diante de situação como essa.

A Administração Pública, por equívoco, acabou por assinar o Contrato de Concessão com a licitante vencedora do certame – Empresa Sanorte, e não direto com a SPE. Inclusive, a SPE foi criada somente após já existir o contrato, e foi trazida para dentro da contratação mediante aditivo contratual firmado posteriormente. Contrariou dispositivo legal expresso.

Um ato é nulo quando afronta a lei, quando foi produzido com alguma ilegalidade. Pode ser declarada pela própria Administração Pública, no exercício de sua autotutela. E aqui opera efeitos retroativo, “ex tunc”, como se nunca tivesse existido. Entre as partes, não gera direitos ou obrigações, não constitui situações jurídicas definitivas, nem admite convalidação.

Sobre anulação, vejamos as Súmulas do STF:

“Súmula 346: A Administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”

“Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

É de bom alvitre esclarecer que a anulação de atos e contratos administrativos ilegais é medida que acarreta importantes consequências para a Administração Pública e também para os administrados, sendo, portanto, necessária e, em regra, obrigatória, dada a necessidade de resgatar a juridicidade violada pela conduta administrativa.

O Supremo Tribunal Federal já firmou seu entendimento de que quando houverem indicativos de ilegalidade, a Administração deverá anular seus atos e isso não afronta a segurança jurídica.

Portanto, merece, ao meu ponto de vista, ser reconhecida a existência de erro insanável, nos valores induzidos pela Administração Pública, que tornaram inexequível para o particular, bem como a nulidade do Contrato de Concessão nº 102/2020, em virtude do procedimento adotado ser contrário ao que determina a legislação própria.

De mais a mais, quando aos pedidos de suspensão do processo visando oportunizar o exercício das atribuições do Verificador Independente e a Instauração do Procedimento de Solução de Conflitos, entendo não aplicáveis ao caso neste momento, em virtude do resultado deste julgamento.

3. DISPOSITIVO

Ante tudo que aqui expus, DECIDO:

- conhecer o Recurso Administrativo interposto pelas empresas recorrentes, por atender as formalidades legais; - preliminarmente, indefiro o pedido de ilegitimidade passiva da empresa Sanorte Saneamento Ambiental LTDA; - no mérito, dou-lhe integral provimento, para o fim de reformar a decisão proferida pela Comissão nomeada pela Portaria nº 1002/2024, para retirar a sanção de declaração de inidoneidade das empresas Sanorte Saneamento Ambiental LTDA e Portal da Amazônia Concessionária de Resíduos SPE S.A., e, consequentemente, a exclusão da penalidade de multa, visto que há no processo licitatório vício insanável que acaba por prejudicar diretamente o particular e a sua possibilidade de execução dos serviços; - outrossim, em razão das evidências de ilegalidade no procedimento adotado no momento da celebração contratual, declaro a nulidade do Contrato de Concessão nº 102/2020, liberando tanto a Administração Pública como os particulares envolvidos, sem qualquer aplicação de penalidades ou consequências negativas, isso faço em consonância

com as Súmulas do STF que estão destacadas nos fundamentos desta decisão e em observância ao art. 9º da Lei Federal nº 11.079/2004.

Intime as partes, os servidores, para que tomem ciência e cumpra esta

Decisão.

Publique-se.

Transcorridos os prazos, arquivem-se os autos deste Processo Administrativo.

Guarantã do Norte/MT, 04 de setembro de 2024.

ÉRICO STEVAN GONÇALVES

Prefeito Municipal

Prefeitura Municipal de Guarantã do Norte - MT


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